segunda-feira, 22 de julho de 2013

GRAFIA MATEMÁTICA BRAILLE E O USO DO CUBARITMO


As próximas publicações versarão a Grafia Matemática Braille. Trata-se de um código Braille que permite escrever os símbolos matemáticos.

Como no Sistema Braille a escrita, em altura, não pode ultrapassar a dimensão de uma linha, dado que a célula Braille apenas dispõe de Três pontos em cada fila vertical, houve necessidade de criar convenções que permitissem, por exemplo, representar expoentes e índices.

Não falaremos desses aspectos por agora, porque pretendo abordar a utilização de uma ferramenta muito simples para realizar as quatro operações básicas. Chama-se CUBARITMO.

Para início de exposição, diga-se que os números em braille são representados pelas letras de A a J, sendo o A o algarismo 1 e o J o zero. Para se distinguirem os números das letras, antepõe-se o sinal indicativo de número, constituído pelos pontos 3456, que a tinta se representa pelo símbolo cardinal (#).

O cubaritmo não carece do uso do sinal de número para realizarmos as operações aritméticas simples.

Trata-se de uma placa plástica rectangular com buracos para encaixar cubos, os quais, nas suas faces, têm representados todos os algarismos, a vírgula e o cifrão. Possui vinte orifícios em cada linha e quinze colunas, portanto dispondo de trezentos locais para introduzir os cubos.

É uma ferramenta com largo alcance pedagógico, ecológica e muito simples de utilizar. O seu uso lembra o das antigas lousas de ardósia que se utilizavam na instrução primária, embora o cubaritmo apenas permita realizar cálculos.

Cada cubo permite, como escrevi, utilizando as suas faces em diversas posições, representar todos os algarismos, a vírgula e o cifrão, símbolo monetário representativo do escudo que nos nossos tempos poderá passar-se a chamar símbolo do euro.

As operações de somar, de subtrair e de multiplicar devem realizar-se no canto superior direito do cubaritmo e a divisão à esquerda. A disposição é semelhante à utilizada na escrita a tinta. Querendo realizar uma conta com três parcelas, o utilizador deverá colocar os algarismos correspondentes à primeira na linha superior do canto direito, a seguinte na linha que fica imediatamente abaixo e o mesmo com a terceira, respeitando as casas decimais. O resultado será colocado na linha abaixo de todas as parcelas, o mesmo sucedendo com as subtracções e multiplicações.

Quanto à divisão, o dividendo deve ser colocado no canto superior esquerdo, deixando-se um espaço vazio para representar o divisor. O quociente colocar-se debaixo do divisor e o resto sob o dividendo.





É um recurso que os docentes e os alunos podem utilizar com facilidade. Não é caro, sendo o problema maior ao nível da aquisição encontrar onde se venda. Não tem qualquer gasto associado ao seu uso. Pedagogicamente serve para desenvolver a memória e os mecanismos do cálculo.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

JOSÉ DE ALBUQUERQUE E CASTRO - O HOMEM E O TIFLÓLOGO






José Ferreira de Albuquerque e Castro nasceu na freguesia de Santa Marinha, Vila Nova de Gaia, em 23 de Janeiro de 1903 e veio a falecer no Porto em 15 de Abril de 1967. Era filho de António Maria de Albuquerque e Castro e Ana Ferreira da Silva.


Apesar de não terem muita instrução, era desejo dos pais que fosse engenheiro. Aos treze anos frequentava o Instituto Industrial do Porto, cegando ao sofrer um acidente quando realizava experiências laboratoriais com cal viva.


Quando se verificou que a sua cegueira era irreversível e depois de ter superado o período difícil que se seguiria ao acidente, tomou a decisão de se matricular, como aluno externo, no Instituto de Cegos do Porto, fundado por Branco Rodrigues, que funcionava na Rua Ferreira Cardoso desde 1904. O currículo seguido então compunha-se essencialmente da aprendizagem do Sistema Braille e de música.






A cegueira alterou a sua vida substancialmente, como é compreensível. Albuquerque e Castro, partindo dos estudos que tinha realizado até cegar e desde que passou a dominar o sistema braille, pôde continuar a vida escolar, mas não lhe foi possível licenciar-se em engenharia. Formou-se na área de estudos que estava acessível aos cegos do seu tempo: a música. "Para esses estudos serviu se dos seus conhecimentos de línguas estrangeiras, utilizando os livros existentes nas bibliotecas braille de outros países, e soube conquistar a colaboração de amigos que lhe leram ou ditaram tudo aquilo que ele precisava de conhecer e ainda não estava transcrito em braille" (Baptista, 1999).


Frequentou o Conservatório de Música do Porto, onde concluiu o curso superior de Piano e o curso superior de Composição, ambos com 20 valores. "Para estudar música comprou muitas obras que já tinham sido impressas em braille, na França, e transcreveu ele próprio muitas outras, nomeadamente de compositores portugueses" (Baptista, 1999).


Nos anos trinta, para exercer o magistério, volta à Escola de Cegos do Porto, mas, por divergências com a Direcção, terá de afastar-se. O Instituto funcionava mais como um asilo do que como uma escola. Apenas a sua transferência para a dependência da Santa Casa de Misericórdia do Porto, em 1938, permitiu proceder a uma completa remodelação.


Albuquerque e Castro foi de novo chamado para desempenhar funções docentes e pôde, então, levar a cabo a restruturação que antes julgara necessária e que conduzira ao seu afastamento, "...começando pela renovação do material didáctico e dos métodos de ensino e estendendo se progressiva e incessantemente ao quadro de pessoal e à melhoria das instalações" (Baptista, 1999).


A Santa Casa criou-lhe as condições que lhe possibilitaram lutar pela valorização dos cegos. Tornou-se na trave-mestra do Instituto. Em 1956, foram-lhe confiadas as funções de Director do Centro de Produção do Livro para o Cego, o qual, em 1972, passaria a ter o seu nome. Este percurso ascensional leva-o, em 1963, a ser nomeado para o lugar de Director dos Serviços Tiflológicos da Santa Casa da Misericórdia do Porto.


Paralelamente, outras tarefas de que é incumbido demonstram que o seu trabalho ia sendo reconhecido. Em Abril de 1956 será um dos dois escolhidos para serem representantes permanentes de Portugal junto do Conselho Mundial para a Promoção Social dos Cegos, participando, já nessa qualidade, no primeiro Seminário Europeu sobre a Reabilitação dos Cegos, realizado em Londres entre 23 de Abril e 4 de Maio de 1956.


Não podendo aqui esmiuçar o pensamento e a obra de Albuquerque e Castro, espero dar-vos uma visão geral de ambos.


Como escreve um dos maiores estudiosos da sua vida e obra, que tenho vindo a citar, "A sua cultura vastíssima e as suas qualidades artísticas permitiram lhe afirmar se em muitos domínios. Ele foi professor, pedagogo, conferencista, poeta, pianista e compositor. Mas foi sobretudo um pensador brilhante e um eminente tiflólogo. Os cegos e a cegueira eram o seu interesse dominante. E nunca outros interesses entraram em conflito com este interesse maior" (Baptista, 1999).


A partir de 1938, as transformações no Instituto de Cegos S. Manuel processaram-se a um ritmo rápido. O Instituto, como disse, transferiu-se para a Rua da Paz, local vasto e aprazível, pois era uma quinta, aliás onde estudei, após a sua reconstrução no início da década de 1970. A fusão com o Asilo de Cegos do Porto, administrado pela Santa Casa da Misericórdia, possibilitou que a escola ganhasse relevo em detrimento do asilo, deixando de ser admitidos ingressos para o último. Ainda conheci dois ou três asilados que lá viviam na década de 1970.






O Prof. Albuquerque e Castro preocupou-se de imediato com a formação dos seus alunos. Em 1940, os primeiros dez alunos fazem o exame da antiga 3ª Classe numa escola primária do Porto e cinco o da 4ª no ano seguinte.


Contudo convém dizer que o Instituto trabalhava com grande falta de meios. Por um lado, escasseava o pessoal especializado, bem como os recursos financeiros e técnicos, e, por outro, faltava uma estrutura nacional que enquadrasse todas as acções empreendidas em prol dos cegos.


Os alunos, seguindo o exemplo do mestre, transcreviam os próprios livros em que estudavam. E finda a escolaridade no Instituto, dado que não era possível prosseguir estudos liceais mas apenas no Conservatório de Música, o futuro dos seus alunos, nos anos quarenta e cinquenta do século anterior, estava muito longe de ser radioso. Vejamos o quadro descrito por alguém que contactou de perto com esta situação de expectativas "sombrias" dos jovens cegos de então: "À parte os que conseguiram empregar se como telefonistas (chegam os dedos de uma só mão para contá los) e aqueles que, por circunstâncias muito favoráveis, puderam continuar os seus estudos, os jovens cegos viam se abandonados à sua sorte. Iam para as suas terras de origem, onde a rádio ainda não tinha chegado, e ali ficavam sem convívio e sem distracções, sem livros e revistas para ler. Sem amigos. A toda a hora eram confrontados com a comiseração e as incompreensões dos seus semelhantes" (Baptista, 1999).


Albuquerque e Castro sentiria com grande tristeza o futuro incerto dos cerca de cem alunos que passaram pelo Instituto entre 1938 e 1967. A mendicidade seria a actividade de recurso de muitos desses, já que poucos conseguiriam abrir as portas do mercado de trabalho. Assim, surge como natural que o Professor se preocupasse com a sensibilização das autoridades governamentais para a situação dos cegos, a qual apenas se resolveria com um serviço de assistência dedicado, o que ele chamava "Serviço de Assistência tiflológica". Seria um serviço que não dependeria de outros serviços assistenciais e perseguiria fins específicos.


Albuquerque e Castro estava bem ciente de que os cegos portugueses, sozinhos, nunca conseguiriam vencer o círculo vicioso em que se encontravam: falta de instrução, ausência de formação profissional e um meio envolvente hostil ou indiferente, onde prevalecia uma imagem neutra ou negativa da pessoa cega em termos económicos e sociais.


Escrevia Albuquerque e Castro, no editorial da Revista "Poliedro" de Julho de 1957, que "O círculo vicioso tem de ser interrompido e há-de sê-lo a partir do centro para a periferia, isto é, da assistência para o assistido e dela para o complexo social onde o invidente venha a integrar-se" (Albuquerque e Castro, 1957).


E como se processaria esta transformação? Aceitando que não há um mundo para os cegos e outro para os videntes, aceitando que a educação supriria as lacunas resultantes da cegueira, essa transformação passaria, por um lado, pelo alargamento da escolarização dos cegos e por um incremento da formação profissional, e, por outro, pela assistência ao nível do emprego e da fruição dos tempos livres, considerando mesmo necessária uma intervenção ao nível da vida familiar e doméstica.


Este "modelo de assistência tiflológica" foi formulado com muita clareza no capítulo V de um relatório ao Instituto de Alta Cultura, que foi publicado também em "Poliedro" a partir do nº de Janeiro de 1958.






Devo lembrar que o regime político era o Estado Novo. O Professor teria de actuar de acordo com ele e aproveitar as escassas possibilidades que tinha à mão. Não admira que encontremos frases como "integração dos cegos na nação" e o desejo de que fossem considerados cidadãos de pleno direito. Como o seu modelo assistencial tinha que inscrever-se nas estruturas existentes, haveria que demonstrar que os cegos também eram uma "força viva" da Nação, à qual caberia reconhecer os seus direitos e criar uma situação adequada ao cumprimento dos seus deveres de cidadania. O tiflólogo preconizava que era necessário que o Estado garantisse condições que permitissem a sua valorização cultural, o seu acesso ao trabalho e a fruição de uma vida familiar digna.


Albuquerque e Castro pretenderia, acima de tudo, organizar os serviços tiflológicos à semelhança dos da Organização Nacional dos Cegos de Espanha (ONCE).


Então como se organizaria o modelo de assistência tiflológica que propunha?


Em primeiro lugar, preocupou-se em identificar as causas do atraso da assistência tiflológica em Portugal, que encontrou na falta de recursos humanos, técnicos e financeiros; na ausência de uma direcção efectiva das escolas e asilos, bem como nas instalações inadequadas ao fim em vista e na dependência de outros sistemas assistenciais. A este rol acrescentava-se um desconhecimento da personalidade do cego, um alheamento do que ia acontecendo de inovador no estrangeiro e uma ausência de planos e programas de acção que tivessem a formação destes indivíduos em vista.


Para ultrapassar esta situação de quase abandono das pessoas cegas, teoriza um sistema assistêncial dedicado, isto é: o sistema de assistência tiflológica não dependeria de outros sistemas assistenciais e teria o cego como fulcro e fim de todas as actividades; disporia de recursos humanos, técnicos e financeiros suficientes, bem como de instalações apetrechadas para os fins em vista. Seria uma estrutura sempre em renovação, avaliando as suas realizações e observando o que iam fazendo no estrangeiro as estruturas similares.


Para implementar este novo serviço, seria necessário fazer um levantamento dos cegos existentes em Portugal, inventariando as causas da cegueira e a situação económica, profissional e cultural em que se encontravam.


Então poderia ser posta de pé uma estrutura assistencial. Teria uma configuração de proximidade, constituída por "centros regionais", os quais desenvolveriam quatro grandes grupos de actividades: actividades ligadas à educação e formação de recursos nesta área, realizadas por serviços pedagógicos; o segundo grupo tinha a ver com a orientação vocacional, a formação profissional e o trabalho propriamente dito (serviços técnicos); o terceiro grupo de actividades corresponderia à produção de livros e periódicos (serviços culturais, que teriam responsabilidades ao nível da produção, da distribuição de materiais - constituição de bibliotecas); o último grupo de actividades, a realizar por serviços sociais, o que ele designava por actividades de "auxílio e previdência", incluía a intervenção no domínio da saúde e profilaxia, no âmbito dos tempos livres e ajuda na vida familiar.


Albuquerque e Castro conhecia bem as privações dos cegos. Conhecia-as mesmo dentro do seu Instituto, onde, por falta de recursos de toda a ordem, a vida não era fácil, escasseando pessoal técnico, equipamentos e dinheiro mesmo para a alimentação e para comprar vestuário com que pudesse vestir os alunos mais pobres. Daí o seu constante apelo para que o tipo de assistência prestada aos cegos pelo Estado melhorasse.






Entretanto, ele afirmava que era necessário sensibilizar os cegos, a sua família e a sociedade para a situação de miséria em que muitos viviam. Na Revista "Poliedro" debatia estes assuntos em repetidos editoriais. Não se cansava de escrever sobre o direito à educação e cultura, ao trabalho, à vida familiar e lazer. A educação e reeducação dos cegos deveria iniciar-se o mais precocemente possível. Reconhecia o papel da educação física e das actividades desportivas, que permitiriam melhorar os níveis psicomotores e de desempenho verbal, a normalização postural e social.


Como escreve o estudioso da sua obra que tenho vindo a citar, Albuquerque e Castro, tendo uma visão optimista das capacidades dos cegos, afirmava que a sua educação "devia ter uma finalidade objectiva, condicionar se ao futuro exercício de qualquer actividade produtiva, de modo que eles viessem a ter grande capacidade técnica, conhecessem perfeitamente a sua especialidade e estivessem em condições de realizar todos os trabalhos relacionados com a sua profissão" (Baptista, 1999).


O cego deveria resolver os seus problemas, procurando essa resolução mais no seu esforço que na ajuda dos outros, embora ela fosse indispensável. Pugnando pela sua valorização como homens, alertava os seus contemporâneos para a necessidade de viver uma vida digna, uma vida com independência económica dada pelo trabalho útil e produtivo, com elevação moral, com riqueza cultural e com uma participação cívica na vida comunitária.


Mas sabendo que não há valorização cultural sem livros, Albuquerque e Castro, tal como Branco Rodrigues, preocupou-se com a produção braille. Em 1956, com a ajuda em equipamentos tecnológicos e suporte técnico da American Foundation for Overseas Blind, de Paris, com quem estabelecera contactos durante os dois anos anteriores, e com a colaboração do Governo português e da Santa Casa da Misericórdia do Porto, que suportaram parte do esforço financeiro, conseguiu levantar a primeira imprensa braille nacional, o "Centro de Produção do Livro para o Cego".


O "Centro" começou a produzir a revista "Poliedro", cujo primeiro número sai em Outubro de 1956, e livros em braille. Os objectivos da revista eram bem precisos e bem visíveis na epígrafe que surgia na primeira página: "Revista de Vulgarização, Tiflologia e Recreio". Albuquerque e Castro desejava, a um tempo, alertar os cegos para a necessidade da se consciencializarem da sua situação de pessoas portadoras de deficiência visual, contribuir para o seu progresso pessoal e cultural, fazer sentir a todos a urgência de uma discussão profunda das problemáticas tiflológicas, além de pretender motivar as autoridades governamentais para a resolução do que ele chamava "o problema tiflológico português".


A produção de livros foi direccionada para a satisfação das necessidades dos alunos que começavam a frequentar o que hoje se chama o 2º Ciclo e, mais tarde, os estudos liceais.


Entre 1956 e 1967 poderemos encontrar, em "Poliedro", os seus artigos riquíssimos em matérias tiflológicas. Esta Revista lança os fundamentos da discussão tiflológica em Portugal.


A preocupação principal do Professor era, como repetidas vezes escreveu em "Poliedro", a dignificação da pessoa do cego. Essa dignificação teria de assumir vários aspectos. Ela, como escreveu no número de Julho de 1957 da Revista, não seria "apenas função do seu apetrechamento intelectual e técnico, com consequente elevação do nível moral, mas também da atitude que o homem de cinco sentidos venha a ter para com ele" (Albuquerque e Castro, 1957).






Alertava os cegos para uma urgente valorização cultural, para a auto-suficiência económica (apenas conseguida através de um trabalho produtivo) e para a reivindicação dos seus direitos e aceitação dos seus deveres. O cego só seria um elemento social válido se procurasse, através do esforço individual, resolver os seus problemas, evitando permanecer na dependência de terceiros. Por isso os leitores de "Poliedro" eram incentivados a procurarem trabalho nas suas terras de origem, e na Revista dava-se notícia de sucessos nesta área.


A fundação do Centro de Produção do Livro Para o Cego e a publicação de "Poliedro" representaram os primeiros sinais indicadores de grandes alterações na vida dos cegos em Portugal. Por um lado, os cegos vão-se aventurando nos chamados liceus, primeiramente através de um esforço muitas vezes individual e isolado, mas, mais tarde, serão mesmo as associações de cegos e as escolas especiais que participarão nesta luta pela valorização cultural de pessoas verdadeiramente desfavorecidas.


Após diversos contactos entre várias instituições tiflológicas, promovidos pela Escola António Feliciano de Castilho, a partir de 1961, foi possível apresentar ao Governo português um documento, em Junho de 1962, solicitando a clarificação das condições de realização dos exames em escolas públicas por estudantes cegos. Nesse documento, cujo texto pode ser consultado no nº de "Poliedro" de Outubro de 1962, alertam-se as autoridades para algumas situações: os estudantes cegos precisam de mais tempo para ler e escrever que os estudantes comuns; fazem-se sugestões quanto à transcrição dos exames para braille; alerta-se para os problemas da inclusão de figuras nos enunciados; solicita-se a presença de um professor da disciplina para contornar a dificuldade de utilizar dicionários; pede-se que haja cuidado na constituição dos júris de exames, no sentido de não prejudicar os alunos cegos.


Por despacho do Secretário da Educação Nacional de 9 de Junho de 1963, o Governo respondeu ao documento enviado pelas instituições tiflológicas. Seria criada uma Comissão com o fim de estabelecer as condições de realização dos exames por estudantes cegos, esperando Albuquerque e Castro (1963-A) que, no ano lectivo seguinte, acabasse a situação especial que tinha existido até àquela altura, em que era sempre necessário requerer a autorização para prestar as provas.


Foram também difundidos esclarecimentos pelo governo acerca do modo de realizar os exames da Instrução Primária, o que clarificou a situação tanto para examinandos, como para examinadores.


Nos anos 60 processaram-se grandes alterações no modelo assistencial dos cegos. O Estado toma a seu cargo a sua educação e mesmo em moldes que nem o próprio Albuquerque e Castro previra. Começa a vigorar a filosofia educativa da integração. Defendia-se que os cegos deveriam passar a frequentar as escolas comuns. Para a realização desse desiderato, foram formados técnicos, criados centros de produção braille, sediadas "salas braille" nas escolas frequentadas por estes alunos, criadas equipas de professores de apoio, umas itinerantes outras colocadas nessas salas. O objectivo era prestar apoio ao nível do braille, ensinar aspectos complementares ou não compreendidos das diversas disciplinas e resolver todos os problemas no referente a materiais didácticos.


O ensino dos cegos, através do crescente envolvimento do Estado, aliás como defendia Albuquerque e Castro, desenvolveu-se de uma forma espantosa. No nº de Abril de "Poliedro " de 1963, o Professor, discutindo o problema da integração de alunos cegos nas escolas comuns, levantava algumas questões. Era necessário apetrechar as escolas com educadores habilitados. Embora os alunos não pudessem ser classificados em categorias, já que cada pessoa é única, afirmava que, pelo menos, seria necessário ter em atenção algumas situações: os alunos a integrar teriam de ser pessoas "socialmente normalizadas", possuidores dos conhecimentos suficientes ao nível do domínio do braille, da expressão verbal e escrita, bem como do domínio motor, capazes de conviver com os restantes alunos e realizar um trabalho profícuo.






Muitos alunos não estavam em condições de confrontar-se com um ambiente escolar exigente, quase sempre por falta de estimulação no ambiente familiar. Ora verificando esta insuficiência, Albuquerque e Castro propunha um modelo de integração em duas fases: a primeira fase da integração da criança cega na vida escolar processar-se-ia na escola especial, onde aprenderia os conhecimentos necessários para, depois, com comodidade, poder ingressar na escola comum, passando-se à segunda. Admitia que o aluno pudesse ser matriculado, sem mais, na escola comum, mas apenas quando a família tivesse normalizado o seu membro por completo, isto para fazer face a um ambiente escolar difícil, que exigiria domínio de múltiplas técnicas e posse de capacidades pessoais resistentes para suportar determinadas pressões infligidas pelo mundo dos normovisuais (Albuquerque e Castro, 1963-B).


Baseado numa relação de complementaridade estabelecida entre a escola especial e a escola comum, este era o modelo seguido quando eu frequentava a instrução primária, nos inícios da década de 1970. Frequentei o Instituto S. Manuel inicialmente e depois, a partir da 3ª Classe, fui matriculado na Escola da Torrinha, embora continuasse a viver no Instituto, onde tinha aulas de Estenografia, de Dactilografia, de Trabalhos Manuais, Educação Física, Educação Musical, de Orientação e Mobilidade.


O fenómeno da integração nas escolas comuns desenvolveu-se aceleradamente na década de 1960 e na seguinte. Se de início as escolas especiais tiveram um papel determinante neste processo, sobretudo preparando alunos de modo a facilitar a sua futura inserção nas escolas comuns, com o tempo foram-se degradando e desviando dos seus fins.


Mas, meus amigos, isso será matéria para outro encontro. Não me caberá a mim falar sobre tais transformações nesta oportunidade.






Conclusão






Quero concluir afirmando que o que hoje é a vida dos cegos em Portugal muito deve a estes dois grandes tiflólogos.


A Branco Rodrigues a oficialização do ensino dos cegos em Portugal, as primeiras escolas de cegos, as primeiras publicações em braille, a primeira publicação tiflológica, o primeiro museu tiflológico.


Dele disse J. Nunes Pinto (1962) que poderia utilizar a sua fortuna de forma ociosa, mas não, decidiu pô-la ao serviço da causa dos cegos.


Albuquerque e Castro, além do papel de professor, conseguiu alterações substanciais, como herdeiro de Branco Rodrigues, no ambiente que os cegos viviam nos anos quarenta e cinquenta. Reorganizou a Escola-Asilo de Cegos S. Manuel, dando-lhe a feição de escola. Uniformizou o braille em Portugal, tanto o chamado braille integral como o estenografado. Sempre em colaboração com os cegos do Brasil, procurou que o braille utilizado no espaço luso-brasileiro se servisse das mesmas regras. Edificou a primeira imprensa braille, fundou a Revista "Poliedro" e nela desenvolveu uma acção de excelência ao nível do debate dos problemas dos cegos e do combate por um mundo mais justo para eles. Prosseguiu a acção de Branco Rodrigues junto das autoridades para alterar o tipo de serviços assistenciais prestados aos invidentes.






E muito mais se poderia dizer destes dois grandes homens. Noto com estranheza que a produção bibliográfica publicada em Portugal que aborda os problemas da educação dos cegos os esquece quase sempre. Sei bem que é difícil para quem vê ler os textos em braille, mas também sei que tal esquecimento resulta do preconceito que lentamente se foi desenvolvendo contra as escolas especiais. É minha opinião que o papel de tais escolas deve ser estudado num contexto epocal e não à luz das modernas tendências da filosofia educativa. Se o analisássemos à luz dessas tendências, quão retrógrados nos apareceriam os dois homens de quem vos falei, mas, se pensarmos na pobreza material e na indigência cultural em que viviam os cegos de então, facilmente perceberemos os serviços que estes dois tiflólogos prestaram à Pátria e o relevo que as escolas especiais tiveram na vida de muitos indivíduos.


Quem ler certas obras, publicadas mesmo por pessoas com responsabilidades (perdoem-me por não citar nomes), ficará com a ideia de que as escolas especiais produziam monstros. Muito pelo contrário. Não vou aqui fazer um elogio simples da sua actividade, mas solicitar que ela seja estudada de forma desapaixonada e logo se verá o tipo de alunos que nela estudaram e que papel desempenharam esses estabelecimentos de ensino na formação dos cegos dessa época.


Não quero que julguem que defendo um retorno às escolas especiais dos anos quarenta e décadas seguintes do século anterior. A minha opinião é a mesma que perfilhei aquando da defesa da dissertação de especialização em Educação Especial na Escola Superior de Educação do Porto, quando escrevi: "Parece-nos que a Educação Integrada, ao representar uma superação do anterior modelo de Educação, deverá colmatar as suas limitações e esforçar-se por manter as suas virtualidades. Se isso não for conseguido, a educação dos deficientes visuais ficará, com toda a certeza, empobrecida" (Correia, 1999).


Termino com um lamento. Quando passou o centenário do nascimento de Albuquerque e Castro, tentei junto da Direcção do Instituto S. Manuel que fossem disponibilizados meios para tornar possível a edição em tinta dos artigos tiflológicos publicados pelo ilustre professor em "Poliedro", mas, por questões logísticas, não foi possível fazê-lo. Lamento-o, mas, ao mesmo tempo, solicito que a Santa Casa da Misericórdia do Porto se empenhe nessa tarefa, que enriquecerá com certeza a cultura tiflológica portuguesa, dando a conhecer a todos o pensamento de um dos seus maiores paladinos.






Bibliografia










BAPTISTA, José António L. S. (1999), O Prof. Albuquerque e Castro e a Projecção da Sua Obra no Ambiente Tiflológico dos Nossos Dias, in Poliedro, Porto: Centro de Produção do Livro Para o Cego, Nºs 447, Janeiro, 448, Fevereiro, 449, Março, e 450, Abril.


BAPTISTA, José António L. S. (2000), A Invenção do Braille e a Sua Importância na Vida dos Cegos, Lisboa, Comissão de Braille.


CASTRO, J. de Albuquerque e (1957, "O Problema Fundamental", in Poliedro, Porto: Centro de Produção do Livro Para o Cego, Nº 9, Julho.


CASTRO, J. de Albuquerque e (1958), "alguns apontamentos sobre o problema tiflológico português" (capítulo V de um relatório ao Instituto de Alta cultura), in Poliedro, Porto: Centro de Produção do Livro Para o Cego, Nº 14, Janeiro (ver também o Nº 16, Abril, 1958, e o nº 20, Agosto-setembro, 1958.


CASTRO, J. de Albuquerque e (1962), "A Questão dos Exame dos Estudantes Cegos nas Escolas Comuns", in Poliedro, Porto: Centro de Produção do Livro Para o Cego, Nº 61, Outubro.


CASTRO, J. de Albuquerque e (1963-A), "A Questão dos Exame dos Estudantes Cegos nas Escolas Comuns", in Poliedro, Porto: Centro de Produção do Livro Para o Cego, Nº 70, Agosto-Setembro.


CASTRO, J. de Albuquerque e (1963-B), "Vantagens e desvantagens da indiscriminação no Ensino da Criança Cega", in Poliedro, Porto: Centro de Produção do Livro Para o Cego, Nº 66, Abril.


CORREIA, Fernando Jorge A. (1999), Alunos com Deficiência Visual em Escolas do 3º Ciclo do Ensino Básico e do Ensino Secundário (Relato de uma Experiência de Integração), tese de conclusão do Curso de Estudos superiores especializados em Educação Especial, defendida na Escola Superior de Educação do Porto.


RODRIGUES, José C. Branco (1895), "O Ensino dos Cegos em Portugal", in Jornal dos Cegos, Nº 1, Outubro (este texto foi republicado com o título "Apontamento Tiflológico - Centenário da Oficialização do Ensino dos Cegos em Portugal", in Luís Braille - Revista Oficial da ACAPO -, Nº 15, Outubro/Dezembro, 1994).


OLIVA, Filipe P. (2001, "O Associativismo Entre os Cegos em Portugal", in Cadernos GESTA-MP, Ano I, Nº 1, Julho.


PINTO, J. Nunes (1962), "Branco Rodrigues", in Poliedro, Porto: Centro de Produção do Livro Para o Cego, Nº 57, Maio.


RIBEIRO, Aquilino, "Os Ceguinhos do Branco Rodrigues".

BRANCO RODRIGUES - UM TIFLÓLOGO MULTIFACETADO E UM AMIGO DOS CEGOS




José Cândido Branco Rodrigues nasceu em Lisboa em 18 de outubro de 1961 e faleceu também a 18 do mesmo mês de 1926. Teve um papel importantíssimo na introdução e difusão do sistema braille em Portugal. Viveu a sua vida lutando pelo bem dos cegos portugueses. De tudo fez em prol dessa luta: viajou pela Europa para recolher conhecimentos, fundou escolas e exerceu a docência, procurou o empenho das autoridades para os seus projectos, foi jornalista, funcionário público com altas responsabilidades no domínio da educação...
A sua acção começa por volta de meados da década de 1880, quando o vemos associado a outras pessoas, elas também interessadas num futuro melhor para os cegos. Uma delas foi Mme Sigaud Souto, filha do médico francês Xavier Sigaud, médico do Imperador do Brasil e da corte imperial. Esta senhora brasileira, que veio viver para Portugal, tinha uma irmã cega, Adélia Sigaud, que aprendeu braille durante a infância. Motivada pelo exemplo da sua irmã, Mme Sigaud Souto e o organista francês Léon Jamet (organista na igreja de S. Luís dos Franceses e que tinha frequentado o Instituto Nacional dos Jovens Cegos, em Paris), colaboraram com Branco Rodrigues na fundação do Asilo-Escola da Associação Promotora do Ensino dos Cegos (APEC), asilo-escola criado em 1889 e cujo patrono veio a ser António Feliciano de Castilho (Oliva, 2001).
A partir de então, Branco Rodrigues, como escreveu Aquilino Ribeiro, "...entrega se (...) à tarefa messiânica de dar vista aos cegos".
E vejamos com que força procurou dar-lhes essa luz.
É o próprio Branco Rodrigues (1895) que, no Número 1 do "Jornal dos Cegos", nos descreve os seus esforços para levar o Estado português a oficializar o ensino das pessoas destituídas do sentido da visão.
O seu primeiro pedido data de 1889. Tendo sido recusado e não encontrando ambiente para insistir, viajou até França onde pôde visitar os institutos franceses para cegos e contactar com os seus métodos de ensino.
Depois de ter renovado o pedido, recebendo uma segunda recusa, voltou a viajar para França, em 1893. Continuou a envidar esforços e viu-os coroados em 22 de dezembro de 1894, quando o Estado oficializa o ensino dos cegos.
Se, como afirma Baptista (2000), o sistema braille só poderia ter sido inventado por um cego, a sua oficialização em Portugal deveu-se à acção de um normovisual. E não se ficou por essa tarefa, pois, em 1895, já como membro da comissão de Instrução Pública, apresentou às autoridades o projecto para a criação de um instituto nacional para cegos. Apesar de ter sido aprovado, como escreve J. Nunes Pinto, este documento "desapareceu na poeira dos tempos" (Pinto, 1962).
Em 1896, depois de ter desempenhado actividades no Asilo-Escola da APEC, promoveu uma aula de leitura e de música no Asilo de Nossa Senhora da Esperança, em Castelo de Vide. Numa sala cedida pela Misericórdia de Lisboa, criou, no ano seguinte, outra aula de leitura.
Apesar de não poder edificar o seu instituto nacional de cegos, nem por isso esmoreceu na sua actividade. Fundou, em 1900, nas instalações da Escola Comercial Rodrigues Sampaio, em Lisboa, a sua primeira escola com oficinas anexas, denominada "Escola Intelectual e Profissional de cegos". Mudando para novas instalações em 1903, passou a aceitar alunos em regime de internato. A Escola Intelectual e Profissional dos Cegos, por alvará de 26 de junho de 1908, passou a denominar-se instituto de Cegos Branco Rodrigues. Em 1913 a escola muda novamente de instalações, sendo transferida para um edifício próprio em S. João do Estoril.

A acção de Branco Rodrigues estendeu-se também ao Norte do país, e, a 5 de maio de 1903, fundou a "Escola de Cegos do Porto", destinada a educar crianças cegas de ambos os sexos, tendo sido o seu alvará aprovado pelo Governador Civil do Porto, Adolpho da Cunha Pimentel. A Escola de Cegos do Porto ficou sediada, a partir de 1904, na Rua Ferreira Cardoso.
Em 1 de outubro de 1938 a Santa Casa da Misericórdia do Porto ficou com a administração da Escola.
Em 1945 a Escola de Cegos do Porto foi fundida com o Asilo de Cegos S. Manuel, estabelecimento que promovia formação profissional de cegos adultos e que tinha sido doado à Misericórdia por alguns beneméritos, surgindo assim o Instituto Asilo de Cegos S. Manuel. As instalações da Escola foram transferidas da rua Ferreira Cardoso para as instalações do Asilo de Cegos S. Manuel, na rua da Paz, apoiando cerca de vinte e cinco alunos e alguns adultos. A Escola preparava os alunos para o exame da 4ª classe, ministrando-se, entre outras matérias, o ensino da música e possibilitando-se que os alunos mais velhos realizassem trabalhos oficinais.
Tendo estudado em Lisboa e na Universidade de Coimbra, Branco Rodrigues nunca se licenciou. Preferiu dedicar-se ao magistério e à actividade jornalística, publicando sobretudo artigos acerca de questões tiflológicas. Além de outros trabalhos de sua autoria, versando o ensino dos cegos, foi a alma mater da primeira publicação tiflológica existente em Portugal, criada em 1895, denominada "Jornal dos Cegos", que durou até 1917. Os proveitos resultantes das assinaturas e das vendas destinou-os sempre a instituições de ensino dos cegos.
Além da sua acção como pedagogo e jornalista, preocupou-se também em dotar com bibliotecas braille as escolas que fundou em Lisboa e no Porto, constituídas por obras literárias e musicais, umas adquiridas no estrangeiro pelo próprio Branco Rodrigues, outras produzidas por transcritores e copistas voluntários. É de salientar que, com o auxílio de um funcionário da Imprensa Nacional, a Branco Rodrigues se devem as primeiras impressões em braille que apareceram em Portugal, tendo sido a primeira obra impressa um número especial do "Jornal dos Cegos", publicado em 1898 para comemorar o 4º centenário do descobrimento do caminho marítimo para a Índia.
Branco Rodrigues considerava que as actividades manuais deveriam emparelhar com as intelectuais e, por isso, preocupou-se em dotar as suas escolas com oficinas. A primeira experiência sucedeu no Asilo de Cegos Nossa Senhora da Esperança.
O seu amor pelas pessoas cegas levou-o também a criar um Museu tiflológico, inaugurado em 11 de dezembro de 1895.